terça-feira, 26 de novembro de 2013

Entrevista a Filipe Faria

Filipe Faria, um nome que a uns traz boas recordações, a outros ranger de dentes. Catapultou-se para a cena literária nacional ao ganhar o prémio Branquinho da Fonseca que trouxe a publicação da Manopla de Karasthan, o primeiro de um épico de 7 livros de High Fantasy passado nas terras de Allaryia. 

Agora com 31 anos, o escritor soma também um livro para crianças (Leopoldina e a Ordem das Asas), um conto (O Barão foi para o Boneco), volumes de uma nova série de fantasia Felizes Viveram Uma Vez) e uma recomendação do Plano Nacional de Leitura para as Crónicas de Allaryia. 

Já prometeu regressar ao universo de Allaryia e confessa-se num fim de ciclo, em que um novo paradigma de escrita está a ameaçar surgir. 




Queria começar por agradecer ao Filipe Faria, pois foi através da tua obra que surgiu o Fórum Allaryia, uma comunidade que deu bastantes frutos e que ainda hoje se encontra interligada, ainda que de outras maneiras. Alguma vez imaginaste que o que escreveste poderia mudar o mundo? Alguma vez pensas nisso quando crias as tuas histórias? 


Queria também eu começar por agradecer-te, e através de ti aos antigos membros dessa comunidade com os quais mantenhas contacto. O Fórum Allaryia foi para mim algo de muito especial e do qual guardo boas memórias, e não o digo (apenas) pelo motivo egocêntrico de quem viu uma comunidade ser criada à volta da sua obra. 
Em resposta à tua pergunta, nunca imaginei que poderia «mudar o mundo», nem crio histórias com semelhante ambição. Quando muito, enquanto jovem adulto com sangue nas guelras ambicionava mudar mentalidades, legitimar a fantasia enquanto género literário, talvez desmistificar por via indirecta uma série de preconceitos relativos à Idade Média (um objectivo pouco idóneo a uma série de fantasia, reconheço). O meu único impulso é mesmo o de contar histórias, pois o verdadeiro gozo vem do conceber mundos e enredos; a escrita é, de certa forma, uma etapa prazerosa para o derradeiro objectivo que é o de partilhar o produto final. 



Sentes alguma pressão ao escrever que comparem as tuas histórias a nível de qualidade a obras reconhecidas como boas com as quais as tuas partilhem alguns elementos? Por exemplo, entre a série “Dragonlance” e “Crónicas de Allaryia”, “Fables” e “Felizes viveram uma vez”? 


Isso para mim sempre foi um não-problema. Primeiro, porque qualquer pessoa com dois dedos de testa percebe que as Crónicas de Allaryia e Dragonlance ou Felizes Viveram Uma Vez e Fables têm tanto em comum quanto A Marca de Zorro e Scaramouche — que é como quem diz, sim, existem pontos de contacto, mas são livros, enredos, elencos e mundos completamente distintos. Segundo, porque não me importo minimamente de pegar em lugares-comuns ou de percorrer caminhos já trilhados, desde que sinta que com eles possa contar a minha história com a sua própria identidade. Enquanto jovem escritor, a minha ambição nunca foi reinventar a roda, mas sim montá-la e curtir à brava, literariamente falando. Actualmente, enquanto escritor que já foi mais jovem, não posso dizer que essa postura tenha mudado muito; talvez evite uma determinada abordagem ou adapte uma ideia se achar que ela já está demasiado batida, mas os meus impulsos criativos não partem de uma necessidade de mostrar o quão original posso ser. 



Uma das questões que já discutiste foi o facto das ilustrações do Perraultimato terem, de certo modo, afastado algum público que pensou que o livro era para crianças. Consideras que existe ainda um grande estereótipo em relação a livros ilustrados? 


Não saberia dizer. O que é certo é que livros com ilustrações costumam de facto ser para crianças. No caso do Perraultumato, eu quis recapturar o espírito das antologias de contos de fadas que vinham com litografias e citações do texto, mas o tiro saiu-me evidentemente pela culatra nessa. 



Lembro-me de a minha mãe me oferecer o segundo livro das crónicas de Allaryia, “Os Filhos do Flagelo” em vez do primeiro,“A Manopla de Karasthan” por não conseguir dizer o nome do livro à vendedora. Numa entrada do blogue falas da impronunciabilidade de “Aewyre” por parte dos fãs. Actualmente lanças livros chamados “Perraultimato” e “Andersenal”. Nunca tiveste medo que palavras complicadas afastassem os leitores, ou achas uma mais-valia? Que equacionas quando crias palavras? 


Talvez até devesse ter (tido) medo, mas por teimosia ou inconsciência sempre dei largas à riqueza fonética que sempre achei que mundos de fantasia deviam conter. E eu gosto de jogos de palavras, de antístrofes, de aglutinações, de fusões fonéticas que vão para além da sonoridade românica. Dá-me um gozo tremendo e sentir-me-ia imensamente restringido se tivesse sido forçado a escrever As Crónicas da Pampilhosa: A Manopla de Oliveira de Frades por receio que os leitores viessem a ser afugentados pelos nomes. 

Sim, estou a ser faceto e hiperbólico, e sei que a nomenclatura não tem de ser oito ou oitenta. Acontece apenas que eu dou muita atenção aos nomes (isto vindo do homem cujo primeiro livro teve pérolas como «darcsuords» na sua primeira edição, note-se) e sinto que eles se tornaram de certa forma parte da minha identidade enquanto autor. 



No 10º aniversário da Manopla de Karasthan falou-se em lançar uma versão revista do livro. Olhando para trás, o que mudarias nas Crónicas de Allaryia? E na tua carreira de autor? 


Bom, no caso de Allaryia, algumas coisas, tal como tive ocasião de explicar e fazer na versão revista d'A Manopla (por enquanto apenas disponível em ebook). No caso da minha carreira de autor, talvez tivesse feito uma pausa após o Oblívio em vez de partir logo para outra. Não tento passar por cima dos meus erros e tenho de facto arrependimentos, mas não vivo obcecado com eles e faço os possíveis por aprender com aquilo que fiz de mal. O desenvolvimento pessoal de cada um passa muito por aí, e o mesmo se aplica à obra de um autor, digo eu. 



O último livro das Crónicas de Allaryia foi lançado com pompa e circunstância, tendo direito a um CD, capa dura e um livro companheiro, algo que eu nunca antes vi noutra obra portuguesa. Consideras-te um autor com algo único em relação a todos os outros? 


Tenho-me em muito boa conta, mas não me considero o equivalente literário do Cristiano Ronaldo. Sei que tenho bastantes ideias, escrevo bem, possuo uma voz característica, tenho a disciplina para levar a cabo os meus projectos e, felizmente, há pessoas que gostam de ler aquilo que escrevo. Mas o mesmo pode ser dito de muitos outros autores só no nosso país, e julgo que todos temos algo «único em relação a todos os outros». 

(Só que, tanto quanto sei, mais ninguém teve direito a banda sonora original com orquestra de catorze peças. Embrulhem.) 



Adivinho que não, mas já te converteste à leitura de ebooks? Qual a tua relação com este novo mercado? 


Adivinhas bem. Para já, formato digital para mim só serve para a banda desenhada. Não digo que dessa água nunca beberei, mas a verdade é que, no meu caso, a ausência de uma relação com esse novo mercado se deve mais à minha info-exclusão que a princípios morais. 



Em relação a projectos para o futuro, que podes contar sobre eles? 


Existem, mas não tenho grandes revelações a partilhar sobre eles neste momento. Duvido de que tão cedo consiga reproduzir o sucesso das Crónicas, e os tempos não estão para brincadeiras, por isso no futuro próximo vou dedicar-me sobretudo ao trabalho honesto (tradução, neste caso). Continuo e continuarei a escrever, bem entendido, porque é essa a minha verdadeira paixão, porque ainda tenho muitas histórias para contar (em Allaryia e não só) e porque a minha ambição será sempre poder viver exclusivamente da escrita por mais do que um par de anos. Quem tiver interesse em manter-se a par das minhas andanças pode sempre ir a www.filipe-faria.com (nada de Facebook; info-excluído, lembram-se?) e subscrever às actualizações, ou então dar-me uma apitadela em filipefaria@allaryia.com.


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